O que eu tenho a ver com a política?

O que eu tenho a ver com a política?

Eu nasci na periferia de São Paulo, Vila Missionária, sou mulher negra. Costumo me apresentar assim, mas faz bem pouco tempo. Na periferia a gente não debatia sobre raça, status social, muito menos sobre política. Eu achava que racismo não existia, demorei muito a entender que  isso acontecia por conta da minha cor ou pelo lugar que eu morava. Lá na Vila Missionária, todo mundo era igual, mesma baixa escolaridade, profissões de subemprego, moradias  precárias, e a única certeza que tínhamos é que não mudaríamos esse ciclo.  

A política na periferia sempre se fez com os líderes comunitários, que não se conformavam com a pouca aparição do poder público, fora da época de eleição, e se uniam a outros moradores, para exigir melhorias no bairro. Lembro de morar em uma rua totalmente sem asfalto, quando chovia era muito difícil a caminhada por conta da lama, então todos os vizinhos se juntaram e alugaram um caminhão de cimento para arrumar as calçadas e exigiram que a rua fosse asfaltada. Foi a minha primeira aparição em uma assembleia de moradores.

Na ausência dos políticos, o povo sempre se reune, para fazer política. A gente nem sabe, mas a falta de representação da comunidade no Congresso ou Senado, passa a impressão de que esse lugar não é para pessoas como nós e por isso, por anos, elegemos pessoas dos mais diferentes tipos e lados, mas que nada sabem sobre pegar ônibus lotado, usar o Sistema Único de Saúde (SUS), combater a pobreza menstrual (mulheres ainda hoje usam pano quando menstruam, por não ter acesso a absorvente e meninas deixam de frequentar as aulas pelo mesmo motivo) ou a importância de uma educação pública de qualidade para todos. Se não há oportunidade de educação para todos, consequentemente, uns terão mais dificuldade para ocupar os espaços de poder que outros. Se a política econômica não favorece o desenvolvimento e o acesso a oportunidades de trabalho bem remunerado, é grande a chance de que apenas alguns poucos tenham essa oportunidade. 

Para nós mulheres, a política é ainda mais ácida. Faz pouquíssimo tempo que tivemos total direito ao voto, mais especificamente em 24 de fevereiro de 1932, as mulheres finalmente conquistaram esse direito. 90 anos depois dessa lei, as brasileiras representam mais da metade do eleitorado e infelizmente ainda ocupam apenas 15% das cadeiras no parlamento (segundo Instituto Update), ou seja, a política é dos homens e os homens não fazem políticas públicas para mulheres e muito menos mulheres pobres. Isso se dá, por conta do papel social  e cultural atribuído às mulheres, que são historicamente inferiorizadas na sociedade brasileira. E quando finalmente chegamos a espaços de poder, enfrentamos muitas dificuldades para manter os cargos conquistados, somos ameaçadas, intimidadas psicologicamente, humilhadas e ofendidas. A isso damos o nome de violência política de gênero

Na periferia a gente costuma acreditar que político é tudo igual, e tendemos a ter pavor do assunto, achamos que é algo distante de nós, e que nem é para nós. Mas a política é tão presente na vida das pessoas que até quando decidimos não participar da política, a gente  também está agindo politicamente. 

A política foi criada para que possamos debater, discutir e questionar, sem que seja preciso a utilização da violência. Com ela ou através dela, temos regras, leis e normas, direitos e deveres que conduzem nossas ações. Por isso, é tão importante que a gente crie o hábito de  conversar sobre política, principalmente entre mulheres e periféricos que são a minoria no congresso. É ela, a política, a condução da nossa própria existência coletiva, que será refletida educação, na nossa saúde, na nossa oportunidade de acesso ou não.

Dicas

➤ Procure conhecer os nomes dos candidatos e suas propostas para a minoria (mulheres, negros, LGBTQIA+ e periféricos). 

Pesquise sobre os nomes citados nos noticiários políticos para ver quem é e o que a pessoa citada representa.  

Fiscalize e acompanhe de perto o trabalho executado pelos políticos nos quais você votou  na última eleição (para isso você precisa saber o nome do seu candidato) 

Converse ou pergunte a pessoas de sua confiança sobre assuntos relacionados ao meio  político dos quais você não entende, para que por meio do diálogo possas compreender e  construir uma opinião/visão crítica a respeito do assunto.  

Se quer se aprofundar um pouco mais no tema, convidamos você a assistir este episódio da  série “Você e o Poder: Quebrando os Muros da Política”, com o autor do livro “O Vazio no Poder”, de Eduardo Rombauer

Vania Rodrigues

Vânia Rodrigues

Vania Rodrigues, 40 anos, negra, periférica. Filha de pais semi analfabetos, vindos do nordeste do Brasil. Formada em Letras Português Inglês e Pedagogia, pela universidade Metodista de São Paulo, com especialização no ensino de Língua Portuguesa pela Universidade estadual de Campinas UNICAMP, cursando o último ano de Ciências Políticas pela universidade Cruzeiro do Sul. Atualmente, assessora de Articulação Política da deputada Tabata Amaral e coordenadora do Projeto de Voluntários do mandato. Voluntária na Educafro – Cursinho pré vestibular para Afrodescendentes e Carentes e Instituto Vamos Juntas – movimento suprapartidário que visa a Inclusão de mais mulheres na política.
Colunista do projeto Odara Conecta – projeto de empoderamento da mulher negra.

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01 Comentário

  1. Nilson
    2 anos atrás

    Oi Vânia adorei, tenho certeza que muitas pessoas vão se identificar com sua história, parabéns vou continuar atento a conteúdo assim, acho muito importante ainda agora nessa reta final de eleições sucesso .

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