Hoje sou uma mulher de 43 anos, perdi meu pai aos 3 anos de idade. De que forma? Afogado e com o corpo nunca encontrado. Minha família tinha um sitio em Juquiá, era a alegria do meu Avó Lindolfo, pai do meu pai Osni. Em uma das viagens da família, em que todos iam sempre, completos, meu pai foi atravessar o rio que ficava em todo entorno da estrada que levava até o sitio. Desapareceu e nunca foi localizado.
Me lembro do exato momento da noticia, lembro de tudo, como aconteceu tudo. Questionei anos se era uma lembrança minha ou a memória das vezes que a historia foi contada perto de mim por tantas pessoas. Isso resolvi em terapia e junto com minha médica, descobri que tinha aquela lembrança sim, do dia exato, como quando tinha 3 anos. Somos capazes de registrar um trauma muito mais que uma alegria, ela me disse:
Você não teria registrado uma festa de aniversario como registrou a perda dele.
Me lembro do gosto da comida do hospital, tive hepatite nem um mês depois da morte dele. Me lembro de ver minha mãe pelo vidro do isolamento e que a comida vinha em um isopor pequeno, e o gosto eu lembro bem. Foram dias de buscas sem sucesso, minha mãe tinha 25 anos, sim uma jovem mãe. Eu tinha 3 anos e minha irmã 6.
Vivemos da ausência, vivemos pensando: como teria sido? O que teríamos sido a partir da criação dele e não só da nossa mãe? Tantas perguntas, mas de verdade, até meus 35 anos mais ou menos eu sentia a falta dele, mas não tão impactante quanto a partir desse idade. Depois dos 35 eu comecei a questionar tudo, muito, de forma até revoltada. Parece que a ficha caiu sabe?
As pessoas falam coisas tão lindas dele, dizem que ele era mesmo uma pessoa linda.
Me lembro exatamente do dia que pesquisei no google OSNI STEFANO! Sim, pesquisei no google, acho que na esperança de encontrar. Fiz muitas pesquisas, olhei cada foto, cada historia, tudo. E então me senti envergonhada, pensei por que havia procurado ele? Por que? Ele não estava lá, ele não estaria. Não sei explicar o que me levou a fazer isso, mas poucas pessoas até agora souberam que fiz isso. Foi uma maneira de tentar aceitar e entender. Tenho dois filho e minha irmã mais velha Tania tem 3. Eu, dois meninos, ela, dois meninos e uma menina.
Me questiono hoje, não só o que teríamos recebido dele, e teria sido tanto, porque as pessoas falam coisas tão lindas dele, dizem que ele era mesmo uma pessoa linda, alegre, festeira, então me questiono hoje por nossos filhos, que avô ele seria? Nossa, ele seria um super avô.
Muitas vezes vi e até vivi isso com meu filho mais velho, pais que não são tão presentes, então eu pensava: como um pai pode não ser presente por escolha, o meu não foi porque não pode ser presente, porque foi tirado de nós. Então como alguém pode escolher não ser presente para um filho? Talvez escolha porque não tem noção do quanto isso faz falta, ou fará no futuro. Hoje tento respeitar o que não senti por tantos anos. Não que não tenha sentido, sempre ele me fez falta, mas aos 35 isso explodiu dentro de mim.
A nossa infância foi difícil, nunca faltou nada, sempre tivemos o que é necessário para uma criança, como ela podia nos dar, como meu avô ajudava ela a nos dar, mas era limitado. Não era diferente no dia dos pais. Só na escola, onde todos os anos as lembranças vinham e minha mãe guardava na capa dos discos dele, era diferente em tudo. Por conta do desaparecimento, não foi possível minha mãe ter certidão de óbito dele, isso só saiu 30 anos depois.
O dia que li, algo se fechou, eu pensei, ela não te velou, ela não te enterrou, mas hj ela tem esse papel, esse simples papel que representa a sua partida. E confesso, foi horrível! Era a certeza diante da lei de que ele estava morto. Eu nunca saberei como teria sido, mas sei que teria sido melhor. Eu muitas vezes julguei minha mãe, vi ela ser julgada, mas sempre procurei olhar para ela e pensar: como é perder seu marido aos 25 anos? Como é ficar com duas meninas sozinha? Então aos poucos fui aprendendo a não julgar, fui aprendendo a olhar para ela e ver através dela e isso não é simples. Ela é uma pessoa geniosa, cheia de defeitos, dura, mas minha mãe. Um dia escrevi uma frase no dia das mães sobre ela: ela suportou de pé, dores que muitas pessoas não suportariam nem de joelhos.
Então, hoje, aos 43 tenho procurado entender a cada aniversário dele, dias dos pais, aniversário da gente ou de nossos filhos, eu penso: teria tido festa, ele teria feito! Hoje procuro fazer as coisas sem tanta expectativa, olhar sem tanta cobrança, para mim, para os meus e para Deus. Porque tem um motivo, não compreendo, mas aceito! Ele foi um anjo e talvez seja essa a resposta, eles precisam voar. Até meus erros perdoei a partir disso, porque entendi que tinha muita bagunça em mim, muita coisa sem compreensão.
Hoje me sinto mais forte, mais justa, eu hoje gosto de aproveitar tudo, gosto de comemorações, de festas, de levar alegria, dou valor em receber alegria, e isso porque vou deixar meu registro, minha memória, e então penso: faço por mim e por vc que não pode fazer pai! Meu tema, a falta do que não tive resume tudo, a gente se perde um amor sente falta, se perde um objeto, um trabalho, um amigo, tudo que perdemos sentimos falta, porque vivemos aquilo, sentimos aquilo, ate as vezes sentimos falta das coisas ruins que essas coisas ou pessoas nos causavam, mas é diferente a falta do que não vivemos, é uma duvida, uma constante pegunta: como teria sido?
Então eu criei a minha resposta. Teria sido lindo, tenho certeza! E isso bastou para o entendimento, talvez não para a aceitação, mas para o entendimento sim. Pai te amo. Mãe te amo e obrigada. Tania, seguimos, não paramos e VAMOS!
Pai obrigada, até em silencio você me ensinou muito.
Nívea Galvao
4 anos atrásAhhh Tati, me deixando de olhos cheios de lágrimas, braços arrepiados e o coração transbordando… Você com a falta de pai que virou anjo e eu com um que escolheu não estar presente! Deus sabe de todas as resposta e nunca iremos entender apenas respeitar ! Amei sua história
Tatiana Stefano Felteiň
4 anos atrásNívea ♥️ … a gente é feito até do que nos falta. Fomos criadas por mulheres tão fortes, e isso nos deu coragem para seguir, seguir sentindo nossas faltas com a cabeça erguida e o coração grato.
Beijo grande!!!