Não foi um ano fácil para nós, mulheres

Não foi um ano fácil para nós, mulheres

Eu queria muito escrever um texto de fim de ano leve. Daqueles cheios de metas, gratidão e retrospectivas bonitas. Mas seria desonesto.

Não é possível encerrar o ano chamando-o de “maravilhoso” para nós, mulheres, enquanto seguimos acordando com notícias de feminicídios, violência contra a mulher, agressões, ameaças e silenciamentos. Enquanto corpos femininos continuam sendo tratados como descartáveis. Enquanto vidas são interrompidas simplesmente por existirem.

O que estamos vivendo não são casos isolados. Não são “tragédias domésticas”. Não são exceções. Trata-se de uma estrutura de violência de gênero que ensina mulheres a terem medo e ainda ensina alguns homens a se sentirem donos. Talvez o mais cruel seja a tentativa constante de normalizar essa violência. De transformar o absurdo em rotina. De nos pedir silêncio, paciência ou resiliência diante do que deveria ser combatido.

Chamam de exagero falar em misoginia. Chamam de “mimimi”. Mas o nome é direto: ódio. É a desumanização cotidiana das mulheres, naturalizada em piadas, silêncios, julgamentos e omissões. E isso precisa ser tratado com a seriedade que exige. Não basta discurso. Precisamos de políticas públicas eficazes de proteção às mulheres. Leis que saiam do papel. Delegacias preparadas para atender vítimas de violência doméstica. Medidas protetivas respeitadas. Educação como base da prevenção.

Educação emocional. Educação de gênero. Educação para que meninos e meninas aprendam, desde cedo, que ninguém é posse de ninguém. Que amor não controla, não ameaça e não machuca. Que respeito não é favor. É regra. Enquanto a violência contra a mulher for explicada, relativizada ou romantizada, ela seguirá acontecendo. Este não foi um ano bom para nós. Reconhecer isso não é pessimismo. É responsabilidade. É recusar a romantização da dor feminina.

Mas esse texto não é apenas sobre o que o Estado precisa fazer. É também sobre o que cada uma e cada um de nós faz, ou deixa de fazer, todos os dias. A violência contra a mulher raramente começa com o tapa. Ela começa no controle. Na humilhação disfarçada de cuidado. Na piada que constrange. No “fica quieta”. No isolamento. Na vigilância do celular. No medo permanente de desagradar. Reconhecer os sinais de violência doméstica salva vidas. E, muitas vezes, não é a nossa dor. É a dor de quem está ao lado. Dentro de casa, no trabalho ou entre amigos, há escolhas simples que protegem mulheres. Não normalizar gritos, xingamentos ou ameaças. Não rir de piadas que desumanizam mulheres. Não ignorar pedidos de ajuda. Não chamar de “drama” o que, muitas vezes, é um pedido de socorro.

Como disse Maria da Penha, símbolo da luta contra a violência contra a mulher no Brasil, “a violência contra a mulher não começa com a agressão física. Ela começa quando tiram a sua voz”. Para quem vive qualquer tipo de violência, você não está sozinha.

No Brasil, existe o Ligue 180, Central de Atendimento à Mulher, que funciona 24 horas por dia, gratuitamente, em todo o país. É um canal de orientação, acolhimento e denúncia de violência doméstica e familiar. Em situações de emergência, o número é 190. Guarde esses contatos. Compartilhe. Fale sobre isso. A informação também salva vidas.

Que o próximo ano não venha apenas com promessas. Que venha com proteção. Com escuta. Com políticas públicas que funcionem. Com educação que transforme. Com redes que acolham. Com mulheres vivas.

Nós não queremos ser símbolo de força. Queremos ser símbolo de vida.

A gente merece viver. Não só sobreviver.

Até breve,
Laine Ventura

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